Como hoje não tive tempo para pensar em banalidades existenciais, vou compartilhar o único sentimento intenso que tive: náusea.
Nessas últimas semanas, tenho sido agraciada todos os dias pelo horário eleitoral gratuito no caminho para o trabalho.
De início, confesso que o desfile de ignorância enlatada me divertia. A total ausência de senso do ridículo combinada ao cinismo explícito criava uma comédia de humor negro de primeiríssima qualidade.
Estavam lá todos os elementos: um protagonista desonesto e simplório, uma série de ações atrapalhadas e uma platéia disposta a desprezar esse indivíduo (tão próximo de nós) como um objeto de expurgo coletivo.
Mas, hoje, aquela sombra refletida da qual ria fitou-me de volta. Estava lá, pública e orgulhosa, exibindo tudo o que mais desprezo em mim mesma e rompendo com minha suposta humanidade.
Covardemente, quis apenas silenciar aquela voz fanha, desligar-me da realidade e abdicar do meu papel no mundo...
Entretanto, estou irremediavelmente inserida neste universo. Cada respiração, cada pulsar — e cada pensar — contaminando meu interior e tornando-me outra, mais próxima de quem realmente sou.
Ao escolher a vida (pois, sim, nossa liberdade avassaladora nos permite escolher até isso) escolhi também os outros, a dor, a morte.
Em nome da graça, submeto-me ao caos. Que a incerteza e a angústia me tomem e me façam viva, que meu semelhante me arrebate com seu mistério insondável e mude meu olhar; que a certeza da morte brilhe como um sol poente sobre meus passos, sem nunca ofuscar a beleza do caminho.
E que acabe logo a propaganda política, para que eu possa voltar às minhas ninharias egoístas.
"Um mundo todo vivo tem grande força — a força de um inferno." (Clarice Lispector)
Nenhum comentário:
Postar um comentário